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Página do Jornal - Última Hora de 1/4/64 |
Se a mentira e a covardia servissem para comemorações, hoje caberia acender velas para um aniversário de 47 anos. Atrás do bolo, lá estaria o golpe de estado responsável por uma ditadura de vinte e um anos no Brasil. Ainda que longe desse macabro ritual, cobrar a responsabilidade pela violação de direitos humanos no período 1964-1985 chega a causar mal-estar a ponto de aparecerem opiniões que justificam a tortura, a censura e os casos de desaparecimento político. Muitos espaços midiáticos se abrem para a discussão, sinal da demanda pública por maior visibilidade à memória política. Mentiras à parte, o golpe se deu na madrugada de 1º de Abril, como explica Elio Gaspari: “o Exército dormira janguista, acordaria revolucionário, mas sairia da cama aos poucos” (“A Ditadura Envergonhada”, 2002). Quem procura conhecer mais do período se informa que não foi uma conversão simples – “uma vontade geral”. Cerca de 50 mil pessoas foram presas somente em seus primeiros meses. Vale lembrar aos arautos da lei e ordem, os que condenam a “anarquia” dos anos 1960 que o “31 de Março” foi pura quebra de disciplina, uma insubordinação contra a estrutura militar. Em 2010, pelo menos dez artigos formaram a polêmica em torno do legado do regime de exceção em Ponta Grossa. As homenagens e auto-homenagens do período, como o de haver uma linha de ônibus ostentando a data do golpe, baseou parte dos escritos. O conjunto de textos traz até opiniões que relativizam a ditadura e os crimes de Estado. Mais que espaço opinativo, os meios de comunicação dedicaram espaço informativo: em impressos (em coluna política de diário, em reportagem de semanário), em matérias da TV (até em canal aberto), em meio digital, em programas de rádio (inclusive com atitude de desplante de ex-deputado), na blogosfera e em redes sociais. Há pelo menos 426 mortos e desaparecidos políticos no Brasil. Isto é, pessoas que autoridades governamentais jamais assumiram ou divulgaram a prisão e morte, apesar de terem sido sequestradas, torturadas e assassinadas por órgãos de repressão. A ditadura institucionalizou a mentira e a covardia. Ao lado de vítimas anônimas figuram casos célebres como o de Rubens Paiva e de Vladimir Herzog ilustram a moral e cívica defendida pelos poderes vigentes. Em 1971, no Rio de Janeiro, Rubens Paiva teve a casa invadida por agentes do serviço secreto do governo militar. Foi levado para prestar depoimento e nunca mais foi visto. Ele era ex-deputado e pai de cinco filhos. Essa história foi detalhada pelo jornalista Jason Tércio em “Segredo de Estado” (Objetiva, 2010). Em 1975, o diretor de jornalismo da TV Cultura do estado de São Paulo Vladimir Herzog compareceu às 8h para prestar depoimento junto ao DOI-Codi e defender sua inocência nas acusações de que era alvo. Pela tarde estava morto, resultado de um “acidente de trabalho” como se expressa Paulo Markun quanto ao nível de tortura a que foi submetido seu colega de trabalho. No dia seguinte, Vlado foi apresentado por meios oficiais como suicida – o 38º suicida produzido nos porões da ditadura. O aniversário do golpe está aí para se parar e pensar o que é que se sabe sobre o período militar e sua herança autoritária. E, importante, para se questionar sobre como contribuir para dar um sossego às famílias dos desaparecidos políticos – leia mais em
http://www.desaparecidospoliticos.org.br. Qualquer esclarecimento toma a forma de um serviço prestado para o país. Vale para quem tiver um depoimento a gravar, uma memória a escrever, um documento a publicizar, uma expressão artística a apresentar. Cabe a todos denunciar os crimes de lesa-humanidade entre 1964-1985. A ditadura militar virou uma pedra que perturba o sono do brasileiro bem na altura da coluna, apesar de estofada entre plumas e estar coberta por rendas.
Fonte: Revista Carta Capital
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